O patrão mandou: "vontade de encher tua boca de porrada"

O patrão mandou: "vontade de encher tua boca de porrada".

Jakeline De Souza 
souzajakelinede@gmail.com

Vou falar a partir de uma caricatura do bate-boca presidencial para propor que pensemos o que penso que não tem sido pensado: as relações políticas e econômicas microssociais brasileiras, do jeito que somos, quando o poder do Estado é ausente. 

 Um fulano pergunta: 
"E aquele dinheiro de onde vem?"
 Um patrão responde:
"Vontade de encher tua boca de porrada."

Esse bate-boca é familiar para quem conhece o Brasil para além dos livros acadêmicos, dos teatros, cinemas, dos olhares estrangeiros e distanciados, e das mídias de massa, essas fontes são ineficazes quando queremos sentir e compreender qualquer povo e país. Então, vamos entrar numa comunidade de periferia e ouvir o que é dito. 

Claro que 90% dos jornalistas brasileiros bem pagos não viveram na periferia das relações políticas, portanto, não sabem definir o contexto, fechar assunto, não sabem o que dizer quando o patrão joga aquela direta, conseqüentemente, levam desaforo para casa. De maneira "mágica", apesar de odiarem o patrão, servem de escada para o seu acesso ao pedestal da sugestão de sucesso pelo poder criminoso da coerção por violência física. 

Deixo claro que não se trata de julgar quem tem razão. Claro que não! Sejamos menos burros do que aquilo. Trata-se de olhar para quem fala, sua trajetória, seus interesses, o tipo de adesão "inconsciente" que determina o seu personagem, e o tipo de situação política para a qual está predisposto a responder. 

Quem é o fulano da minha caricatura? 

Aos meus ouvidos, primeiro e na melhor das hipóteses é o novinho inocente, o que fala sem saber o que está falando, é mandado, sem experiência. Mas, vou descartar a ideia de que existe algum inocente nesse jogo.

Então, a segunda alternativa é a do experiente bem nascido. O playboy acostumado a outros tipos de malícias e jogos de disputa de poder, intimamente ele disputa com o patrão, não aceita aquele tosco como "o dono da situação". Acostumado às provocações, à ironia, ele é corajoso, mas sem noção intrínseca de direito civil, do que é ser um cidadão humilde e ter que exigir respeito pelas vias do direito, ou simplesmente calar. E ele emudece por não ter assimilado que existe o direito à integridade física, e o que emerge em sua reação é o que lhe é cotidiano, usual, familiar.  

Talvez o playboy nunca tenha precisado exigir respeito, o papai e a mamãe resolvem "os problemas" de outros jeitos. Portanto, na cena, ele é coadjuvante dos termos da ausência do Estado, compactua com a expressão de poder do patrão,  expressão que sugere um crime. 

Correu o risco de provocar o patrão porque a cena era pública, claro, o playboy achou que podia. Mas ele, especialmente ele, nao podia. Despreparado no exercício cotidiano de quem precisa exigir respeito a seus direitos fundamentais pelas vias oficiais do Estado, a cena saiu ruim pro playboy, perdeu perdedor. É claro que o playboy sai miúdo da cena, ele não tem postura, cala e arranca risos e deboches da platéia: "otário".

O patrão é o poderoso, destemido, o que dá o papo-reto, não existe timidez, e o princípio da não-covardia é determinante para o patrão manter sua fama e respeito. E mantém, de fato, a fama, arranca aplausos e até considerações silenciosas da platéia. 

A gente, o povo, sabe que o patrão é ruim, mas o playboy para nós é um pântano de indefinição. Para nós o ruim não é tão perigoso quanto o indefinido. O ruim é ruim, está na cara, a gente desvia dele. Mas o indefinido é pior.

O playboy é o indefinido, de um lado, faz discurso, diz que é contra crimes, que é pelos direitos, pela dignidade, com pose de bom moço. Fala muito mas na hora de ser o que fala, ele cala. Ele se apresenta incapaz de responder com os argumentos de quem se entende num estado de direito, quem vive na luta cotidiana por estar em um estado de direito. Ele não exige respeito, parece não reconhecer que existe esse direito, ele parece não estar em uma vida social, política e econômica que pressupõe que dar "porradas" na boca de alguém é um crime, então ele cala. Na cena ele perguntou o óbvio e ficou sem resposta "o senhor está me ameaçando?".

Mas, como o playboy ganharia vantagem sobre o bandido assumido? Como ele poderia com uma simples resposta evidenciar pro patrão e pra platéia que existe crime? Evidenciar que temos direito de não sofrer a ameaça de agressão? Um playboy diante de um patrão nunca poderia fazer isso, o mundo do crime é o mundo do crime! Então, agora volto ao presidente e o jornalista, ao fato que não trata da realidade da periferia das relações econômicas e políticas, mas, pelo contrário, é o centro dessas relações. 

Vi o título do texto no Facebook, um amigo publicou: "Estadão: "vontade de encher tua boca de porrada diz B...." e comentei: Será que um jornalista não sabe responder para um agressor que anuncia seu desejo de agressão em público?  Um jornalista não sabe fazer valer o direito civil, a força do Estado contra crimes de violência física? Um jornalista não sabe desafiar um agressor e colocá-lo, pela sua própria estupidez, no lugar que lhe é devido? 

Pois, digo eu, que esse agressor (cheio da grana) venha encher minha boca de porrada em público e cercada de gente com câmeras e gravadores para registrar o crime! Eu quero ver a polícia prender o presidente do país por violência física contra mim, uma cidadã brasileira. Eu quero indenização gorda porque preciso de dinheiro para alavancar o direito do povo brasileiro vetar e votar leis, eu quero a campanha de boicote aos partidos e candidaturas contra o povo vetar e votar leis em todas as mídias!

Estou dizendo que, se esse senhor, que ocupa a presidência da República, dissesse para mim que deseja me bater, eu diria: Então faça! Imediatamente, porque estamos num país onde vigora o direito fundamental à integridade física. Mostre o criminoso covarde que o senhor é, porque chegou a hora do senhor mostrar a sua completa falta de dignidade e deve pagar caro por isso. Não tenho medo de suas promessas de porrada. Quem o senhor pensa que é? 

Ele é nada diante do nosso direito à integridade física, ele é um criminoso que envergonha o país. Pronto, isso é outro contexto, provocá-lo a satisfazer o seu desejo de violência é a forma mais rapida e eficaz de fazê-lo experimentar a realidade onde eu vivo, a do Brasil do direito civil à integridade física.  

Uma vez definindo o contexto do direito civil, e colocando o chilique daquele homenzinho desqualificado no seu devido lugar, a situação pública ganharia outra repercussão nós corações e nas cabeças do povo brasileiro, que é em quem eu penso. 

Como não estava lá, na situação de fato, trago o fato para esse lugar, aqui, nesse blog. Uma vez que tenha sido dita qual deve ser a posição que nós, o povo, devemos assumir, todos os jornalistas já entenderam. (Faço questão de citar a jornalista Glória Maria, que foi contratada pela Globo depois de reagir contra um crime de racismo na década de 70, na época caracterizado como contravenção. Certamente ela era uma mulher acostumada a brigar por respeito como parte dos direitos do Estado, mesmo que o Estado fosse falho. Então, ela teve a oportunidade de ser quem é numa cena pública, e até hoje continua sendo referência. Essas pessoas mudam a história.).

Mas, porque o jornalista não acessa esse contexto da garantia de direito à integridade física?  Não posso afirmar explicitamente, ele pode ter tido uma variação súbita no nível de glicose, mas essa é uma questão que me aterroriza quando paro para ilustrar possibilidades, especialmente porque ele não estava só, haviam outros do mesmo time dele, e mesmo em grupo eles calaram, todos. Isso já deve ser um problema enraizado num padrão desse grupo. E mais, esse senhor já insultou muitas pessoas desse mesmo rol de relações dele da mesma forma, políticos, jornalistas, gente bem nascida que teve acesso ao ensino "superior" e outras qualificações ainda mais destacadas, gente de status "elevado", mas esse senhor nunca recebeu uma resposta que quebrace as pernas do seu jogo sujo com a força da dignidade. Porque? 

No caso de um playboy misturado com a malandragem, ele nunca pensaria sobre o fato de nós termos direitos para além do poder do "patrão", do papai, da polícia, da milícia, do juiz corrupto, da corrupção geral. Esse infelizmente é o ambiente social, econômico, político e psíquico que ele herdou. A cabeça do homem foi criada respondendo a um determinado tipo de relações.

No mundo dos patrões, playboys ou da periferia, o que fala mais alto nas suas reações é o "poder", quer seja o poder da força, da influência, ou da corrupção que joga com força e influência ao mesmo tempo. Então, se puder ele esmaga o patrão e toma a boca. Mas, se não pode ele cala e consente, na hora é esmado.

No caso do jornalista, a situação põe em evidência um problema muito maior. Essa cena pública revela, mais uma vez, a falta de preparo da suposta "oposição", e mexe com os ânimos do povo. Mais uma vez a crítica ao senhor que ocupa o cargo de presidente falha, a oposição falha, tem falhado sempre, e talvez nunca estará interessada em acertar, porque nunca assumirá o que é necessário fazer para acertar! 

Falo com clareza e objetivamente: o poder soberano do povo brasileiro sobre as leis é o único caminho para a superação desse caos. Mas a prioridade política de gente miserável, corrupta, oportunista e perdedora, não fará valer nossos direitos! E, pior, ainda vão dizer que democracia direta não é opção! Dirão que democracia direta é estratégia para manter aquele senhor na presidência, como fizeram na última campanha para o boicote às candidaturas à presidência da República em 2018! @VamosAnularAsEleicoes2022

Naquele momento disseram que quem não aceitasse esse senhor deveria votar no candidato deles, e que propor anular votos era somar votos para aquele senhor! Perdedores, perdem tudo, inclusive a dignidade. Foram os votos no candidato deles que legitimou a eleição desse senhor, os votos nulos não são contados na disputa entre votos válidos!

Palavras bonitas não são, nem serão, respeitadas pelo povo que corre risco todos os dias, que come mal, trabalha sem condições, vive de migalhas. Se você quiser mostrar integridade política assuma a democracia direta no Brasil, nada mais pode fazer nosso povo ouvir qualquer "oposição" a esse governo que aí está. 

E, se esse bate-boca fosse entre um playboy e um patrão, sujeito tosco da periferia, porém respeitado na cena, o playboy armaria um possível contra-ataque, depois, com a ajuda do papai e suas outras formas de exercer poder, claro. Só que, patrão que se dá respeito não deixa espaço para playboy armar contra-ataque por um bate-boca. Vai apanhar, playboy,  perdeu.

Mas não se trata de um patrão e um playboy, trata-se das relações políticas e econômicas em nosso país, portanto, outra força emerge para orientar essas relações para o respeito e a dignidade. 

@NosQueremosVotarEVetarLeisSemRepresentantesPoliticos  - grupo no Facebook 

@BOICOTEPartidosECandidaturasContraOPovoVetarEVotarLeis  - página no Facebook 

Manaus, 25 de agosto de 2020.

Resumo,

Apresento uma análise crítica das relações entre o atual presidente e sua "oposição", ilustrada de modo objetivo no quadro das disputas cotidianas pelo poder no microssocial dos espaços políticos, onde a ausência do Estado determina o conjunto das relações. Essa é a chave que tenho tentado virar para explicar a vitória daquele senhor nas eleições de 2018, motivo que entendo definir também a continuidade de seu "sucesso". O momento faz-se oportuno para esta apresentação. Divitam-se.  




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