Redes sociais como objetos residuais da segunda década do século vinte e um

Redes sociais como objetos residuais da segunda década do século vinte e um.
Jakeline De Souza - souzajakelinede@gmail.com

Para falar sobre isso vou usar como exemplo uma rede social que, em sua maior importância, é hoje, 17 de outubro de 2019, o facebook, exemplo do péssimo uso que se pode fazer de um grande sucesso. Quero dizer que nessa rede social somos objetos negociáveis por corporações, e já sabemos sobre isso, mas, onde está o poder de uma rede social? Prestai atenção ao que vos alimenta ou podereis morrer de fome.
É claro que desse lugar histórico da democracia, no sentido real da etimologia da palavra, não é demais analisar a decomposição dessas redes sociais tão incrivelmente poderosas em lapsos de tempo. Aqui/agora, sabemos/sentimos o que significa o mal uso de nossa confiança para o árduo trabalho que realizamos dentro dessas redes sociais, todas/os nós na última década, para que a realidade que vivemos hoje fosse muito melhor do que é.
Confiança não tem preço. é preciso ser confiável para ter a confiança. E, a frustração para nossas expectativas, ao curso da década que passou, foi objetivamente maior do que o resultado que alcançamos hoje. Esperávamos mais dos movimentos emergentes em 2009/2011 através das redes sociais. Nosso desejo por estabelecer espaços para a democracia, real, direta, para o poder soberano dos povos sobre suas próprias vidas e nações foi imediatamente para as ruas do Brasil, da Espanha, dos EUA, do México, da Eslovênia, da Islândia, de toda a Europa, todas as Américas, e também do Oriente Médio, África e Ásia.
A conexão entre o mundo real da economia e da política e o "mundo virtual" das redes sociais nos levou à experiência da sobreposição de tempos e espaços. Nos tornamos capazes de viver todos os agora e aqui sobrepostos e sentíamos isso em massa pela primeira vez. A experiência foi reveladora de um poder até então não experimentado e a decepção por seus resultados trouxe a falta de credibilidade nesse poder. Mas, esse poder existe aqui/agora. em rede, somos translocais e multi temporais, e, talvez, tenhamos a sensação de ressuscitarmos, mas, na verdade, não morremos.
Nosso esforço foi capaz de registrar um ponto de reflexão e de sentido até então não experimentado, mas, de um modo geral, não alcançamos resultados satisfatórios. Quando não alcançamos resultados satisfatórios sofremos a ressaca da decepção. De repente as conexões foram enfraquecendo, as contradições foram aparecendo dentro dos movimentos e, novamente, vemos a manipulação das mobilizações por parte de grupos com interesses facciosos, assim como, por parte de quem simplesmente queria destruí-las, o que foi ainda pior.
Então, queríamos muito mais do que alcançamos e isso consumiu parte de nossa energia, sacrificou parte de nossas sementes. Mas, existem sementes que são extraordinariamente fortes porque isso não é uma metáfora, é a vida de fato.
A Primavera Árabe, Indignadxs na Espanha, #OccupyWallStreat, as #Ocupas POA, BH, Florianópolis, Sampa, Rio, Salvador, Curitiba, Campinas, a Marcha Xingu Vivo, e, especialmente, a revolução na Islândia, foram e são, cada qual em sua medida, nosso legado para continuarmos a transformação dos sistemas econômico e político até que alcancemos, como povos da Humanidade, o poder sobre nossas próprias vidas simplesmente porque os povos não terem poder sobre suas próprias vidas é absurdo, uma esquizofrenia criada pelo canibalismo econômico da escravização dos povos que se esforça em manter-se acima do sentido humano para a vida.
Pessoalmente reconheço a soberania dos povos, o poder soberano dos povos sobre todas as leis e decisões governamentais, como único caminho para a estabilidade econômica das nações, o que significa a paz mundial, e, entendo, deve significar também a plenitude humana.
Por isso estou aqui, escrevendo este texto, dando continuidade ininterruptamente ao exercício do poder soberano do povo brasileiro, que é o que me cabe diretamente. Nasci no Brasil e meus poderes políticos estão implicados nos limites e possibilidades dos poderes políticos de uma cidadã brasileira. E, por identificar a milenar Economia da Escravização dos Povos como responsável por 99% da desgraça que vivemos, e mais, por enxergar que a superação desse sistema de "representação política" é a superação definitiva dessa desgraça milenar, continuo trabalhando para a superação do sistema de "representação política" no Brasil, e, neste mesmo sentido, apoio todos os povos do mundo. Isso significa agora, que o povo da Catalunya exerça seu poder soberano de decidir por referendo a caracterização política e econômica das terras onde vive, assim como, semana passada, significou a submissão do governo do Equador aos interesses do povo equatoriano.
A superior qualidade para nossas vidas depende do exercício de nossa soberania popular. Dependemos, portanto, da continuidade dessa proposta, desse trabalho do jeito que iniciei, com a mesma estratégia: trabalho voluntário por dedicação exclusiva, uma estratégia pelo propósito de tornar a dignidade-em-relação fundadora do poder político onipotente sobre a economia. E, de repente, tudo parece estar mais acessível.
Percebo, de fato, a diferença contextual para o alcance de nossas metas resultada de nosso esforço por apresentar o poder soberano do povo sobre nossas leis como "A" chave para uma transformação emergente, irremediável, irreversível, quero dizer, definitiva. Estamos trabalhando intensamente na emergência definitiva do poder dos povos sobre suas vidas nas ruas, na internet, nas propostas de leis de iniciativa popular, na rede das casas da democracia direta no Brasil, no boicote às candidaturas de políticos que não assumam estabelecer espaço definitivo para o povo brasileiro exercer seu poder soberano de vetar e aprovar leis, nas palestras, e em todo o trabalho que essas demandas exigem.
Ora, quantos posts, quantas discussões, quantas amizades perdidas, reencontradas, quantas brigas online, quantos mal entendidos, quantos fakes, quantas sabotagens, quantas fake news, quantas mentiras, quantos amores, quantas perdas, quantas invasões, quantas distorções, quantas apropriações, quantos roubos de imagem, de texto, de palavras-poema, quantas fugas, quantas senhas esquecidas, quantos emails sem resposta, quantos nem foram abertos, quantos perfis abandonados, quantos blogs, vídeos, fotos, páginas, grupos, bate-papos "perdidos", usurpados, deletados, esquecidos. Quanto de tudo que é ruim e está na web nós vivemos, e sobrevivemos?
Claro que diante de tudo isso um "facebook" não é importante. Nós somos infinitamente superiores a essas redes, nossas experiências nesse curto espaço de tempo são infinitamente superiores às redes que usamos para veicular experiências, porque a verdade e o caminho são a Vida, e, hoje, no momento de seu declínio, essa rede é exemplo contingente a ser analisado diante dos olhos dos "donos" das redes sociais, aquelas pessoas que se entendem com algum controle. Pois que vejam que "facebooks" tornaram o retardo que causaram nessa transformação para uma vida melhor maior do que sua participação nas mudanças, assim como, vejam que maior do que o prejuízo que pagamos é o preço da derrota dessas redes sociais na história, pois o destino para elas é ser apenas mais um exemplo da derrota do sistema, exemplo que nem sempre será digno de nota, afinal, somos a Humanidade e o que são dez anos para os próximos dez mil anos? Uma pergunta cuja resposta está viva nos lábios de quem tem prazer ao degustá-la.
Muita energia foi consumida, muito trabalho foi usurpado e, na melhor das hipóteses, algumas poucas e resistentes pessoas/ideias/interações, maiores e mais fortes que o jogo sujo nessas redes sociais, conseguiram manter-se a partir de outros espaços, como a sombra do coqueiro na frente da minha casa e esse blog da Marcha no Google. Quem sabe... que seja!
Então, vamos aproveitar a realidade ruim em transformação para, mais uma vez, colocar em evidência a objetificação humana como parte desse paradigma da milenar Economia Canibal. como disse no início, somos objetos negociáveis por corporações.
Essas malfadadas redes nos objetificam ao ignorar nossos interesses exatamente como os ditos "representantes políticos". Ambos exercem uma falaciosa "representação" em nome do mesmo jogo econômico, e a facção dos beneficiados com o jogo sujo é de fato a mesma. Ou ainda, vamos mergulhar 160 anos atrás, somos objetos negociáveis, e objetos negociáveis é sentido atribuído aos escravos por mercadores até o século dezenove no Brasil.
É essa condição paradigmática que quero explicitar aqui. Tenho apresentado a escravização como expressão física mais cruel da objetificação e o método como expressão metafísica mais cruel dessa mesma objetificação de seres humanos por outros humanos. O jogo econômico e político emerge para mim a partir da análise de Pajés e Yalorixás sobre o método etnográfico, o que está traduzido para a antropologia na tese que defendi em 2011, exatamente quando iniciei esse trabalho para a superação da "representação política".
A relação entre minha tese e a continuidade de tudo que estou fazendo hoje pela transformação do sistema está nessa análise que apresentei para as categorias sujeito/objeto do método etnográfico em antropologia. O método é mais uma resposta a um mesmo paradigma econômico que, hoje, ainda nos torna objetos nas mãos dos ditos "representantes políticos", poder exercido antes pelos reis, e antes dos reis pelos imperadores. E, digo mais, quando o sistema de "representação política" for superado pela soberania dos povos, como parte do milenar processo de superação do canibal Paradigma da Morte pelo Paradigma da Vida, o método científico acompanha-la-á, nossas relações para produção de conhecimento serão outras, os métodos estarão fundamentados em paradigmas que, talvez, em nada lembrem os quatrocentos anos de prática do atual método científico. Estou dizendo, e repito aqui, os princípios fundadores da nossa noção de Economia determinam o paradigma.
Nos tornamos objetos do conhecimento, nossos corpos são objetos, nossos conhecimentos são "objetos" de algum "sujeito" que reproduz os mesmos princípios de um sistema de poder sobre nossas vidas. Somos objetificadas/os no sentido mais cruel que a dignidade humana pode suportar. Da alma ao corpo nossa dignidade é violada, "diminuída" e "anulada". Somos "dados de produção e consumo", nossa criatividade é usurpada, nossos afetos e psiquê são apreendidas como parte de um jogo de informações e relações de poder. Somos usadas/os, nossa fé na Humanidade, nosso frio, nossas doenças, desejos, nossas mortes, sonhos, nossa fome, e as águas que bebemos, o ar que respiramos e as terras onde vivemos também são.
Mostro aqui a amplitude da consciência que temos sobre essa condição para ressalta o que torna estúpida a posição de quem responde a interesses centralizadores de corporações. A existência, e/ou importância dessas redes, assim como desses "sujeitos" e "representantes", é tão pequena e provisória quanto sua capacidade de nos prejudicar.
A noção de objetificação, mais especialmente a relação objeto/sujeito do método etnográfico, põe em evidência o paradigma da Escravização dos Povos no discurso científico. Neste momento, estou dedicando meu tempo para a emergência desse debate em minhas analises e ações econômicas e políticas. O segredo está em tornar indissociável agir e pensar. Então, temperemos nossas reflexões com o crédulo poder outorgado, por Deus e pelos Reis, à Ciência, para a qual sujeito/objeto são categorias que produzem relações econômicas e políticas desde sua origem nos sonhos de Descartes.
Ou seja, a presença desta relação objeto/sujeito é mais uma variação canibal do paradigma milenar que define nossas vidas desde a origem dos impérios, sobre o que tenho falado neste blog, e o exemplo do facebook é hoje para mim, e certamente para muitas pessoas, as páginas que criei e estou impedida de administrá-las, grupos, perfis e publicações pessoais que foram bloqueadas/os pela rede que aceitou denúncias infundadas.
Mas, diferente da mais nobre atenção que dei ao método etnográfico, não dedico tempo àquela rede social, não vou reivindicar "direitos", nem pensar se existe algum direito por ali. Percebi nessa última revisão de texto que já está sendo prazeroso divulgar nesse ensaio, por exemplo, a consciência sobre o quanto aquela rede social perdeu a importância para mim/nós, pois não tenho/temos fé em alguma mudança política nesse tipo de rede e mantemos o que ainda temos naquela rede por contingência.
Como muitas pessoas estou deletando fotos até que a referência desapareça. Aos poucos estou esquecendo o que fiz naquela rede e isso significa uma transição do gradativo ao completo desaparecimento daquela rede social como parte desse paradigma canibal da Economia da Escravização dos Povos, que também desaparecerá.
Já disse nesse blog e volto a dizer, nós seres humanos, Humanidade, abominamos o canibalismo e, portanto, todas essas relações canibais são abomináveis para nós. E essa caracterização da Humanidade pode ser naturalizada? Eu assumo a naturalização da aversão humana ao canibalismo como propulsora de todos os esforços para a desconstrução do poder centralizado sobre a vidas dos povos ao curso desses milhares de anos de Economia Canibal. Estou dizendo que, como os músculos de uma criança recém nascida buscam alimento e são a garantia da continuidade da vida da criança, a completa aversão humana ao canibalismo também é garantia para a Humanidade continuar existindo, e, por exemplo, chamar o ritual funerário Yanomami de "endocanibalismo" foi um erro grave [Nota Única].
É sob a luz desse amanhecer que um "facebook" recusou o espaço histórico de rede social através da qual constituições podiam ser escritas. Estou falando da constituição escrita pelo povo islandês após a crise financeira que emerge em 2008 e leva o povo a superar o sistema de "representação política" e estabelecer a democracia na Islândia.
Hoje a Islândia é um país rico e próspero graças ao poder soberano do povo decidir as leis, o destino do país, e isso é uma das mais importantes vitórias, talvez a mais importante vitória dos povos do início deste século/milênio porque, lá, na Islândia, o espaço para o exercício do poder soberano do povo tornou-se definitivo. Nesse sentido, o fato de uma rede social residual e contingente ter sido usada naquele momento não será digno de nota, reconheçamos que o poder da comunicação online crescerá muito além do que somos capazes de imaginar hoje e teremos cada vez mais referências a redes sociais mais significativas, importantes, inspiradoras, reveladoras, em nossa História.
Nesse momento resta-nos ver, uma década após a revolução islandesa, a queda daquela rede social abrir espaço para outras redes que devem responder à inteligência humana em suas demandas contemporâneas e futuras.
E o retardo provocado nessas redes sociais que abusaram de nossa boa fé? É tão insignificante a mediocridade. Algumas sujeiras invadem os corpos das ostras, são "invasores externos", "certos parasitas". Eu guardo as pérolas que nos adornam. E você?

Última revisão, 18:05, 19 de outubro de 2019. Manaus, Brasil.

[Nota Única] Eu estive com os Yanomami em um ritual funerário e o ritual nada tem a ver com canibalismo, assim como os Yanomami nada tem a ver com essa Economia Canibal. Pelo contrário, os Yanomami estão entre minhas mais importantes referências para as reflexões que apresento pelo fim dessa Economia Canibal, pois justamente eles são conhecidos por apresentar o problema dos "espíritos devoradores de Terra Floresta" e dos "espíritos devoradores da carne Yanomami", sobre o que devo falar em outro momento. Lamento que exista aquela tradução sobre o ritual funerário indígena, considero a ingestão das cinzas de cremação com mingau de banana em rituais feitos ao longo de anos pela memória da mesma pessoa a mais significativa expressão de amor por alguém que não vive mais entre nós que tive a oportunidade de conhecer. Eu vi, vivi, sei e sinto. Talvez, algum dia, dedique tempo para propor uma outra categoria, palavra, nome, para o ritual, que ponha em evidência o abismo entre a relação "corpo/espírito", conforme nós, disciplinados por algum monoteísmo do Oriente Médio,  somos capazes de apreender, e o ritual Yanomami, conforme sou capaz de ser parte.







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